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Breve reflexão sobre a importância da leitura em contexto escolar

    Através da investigação sabe-se hoje que o primeiro processo de aquisição da leitura é informal, anterior ao formal, dando-se não só através de impulsões no ecossistema familiar e através de inúmeros estímulos no mundo que rodeia a criança, mas também muito significativamente através do jardim-de-infância. Ao chegar à escola a criança é já fluente na sua língua materna e possuidora de uma grande diversidade vocabular, que usa autonomamente através de processos mentais coordenados entre o eixo das selecções e o eixo das combinações. Apesar de a criança trazer consigo uma bagagem linguística considerável, a leitura não é espontânea e natural. É necessária uma sistematização ao nível da aquisição de competências e mecanismos de leitura. Isso cabe ao ensino formal, como defendem, aliás, vários investigadores. Quanto aos conceitos consciência fonológica, linguística e metalinguística: a leitura é mais do que um acto perceptivo, é um acto cognitivo, um processo de descodificação mental e não meramente visual. É através da compreensão que se operacionalizam as competências envolvidas no acto de ler e sem as quais não será possível a automatização da correspondência letra/som.

    Sim-Sim e colaboradores, em "A Língua materna na educação básica - Reflexão participada sobre os currículos do Ensino Básico" dá uma definição de leitura extraordinária : "entende-se o processo interactivo entre o leitor e o texto, através do qual o primeiro reconstrói o significado do segundo. A extracção do significado e a consequente apropriação da informação veiculada pela escrita são os objectivos fundamentais da leitura, dependendo do nível de compreensão atingido, do conhecimento prévio que o leitor tem sobre o assunto e do tipo de texto em presença. A leitura não é nem uma actividade natural, nem de aquisição espontânea e universal."


    As competências atingem-se tendo em conta os factores de sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita. Os factores são acima de tudo um bom domínio da língua oral e proporcionar às crianças um contacto directo com material escrito e de escrita, associando no processo, sempre que possível, as competências meta ao nível fónico e linguístico. O primeiro ano do ensino básico é fundamental e poderá determinar as características da criança enquanto futuro leitor, para não mencionar o próprio processo de aprendizagem da leitura e da escrita a curto prazo, nesse mesmo ano e nos anos que se seguem. O professor pode chamar a si o papel de Cupido e fazer da sua metodologia uma seta que fará a criança apaixonar-se pela leitura. Mas mais do que romantizar esta demanda, é preciso pô-la em prática.
   

    As propostas não se esgotam: ao nível da oralidade, há actividades riquíssimas que se podem desenvolver, como a simples verbalização pelas crianças das suas vivências; contar histórias que saibam, mesmo familiares para que possam trazer para a sala a sua realidade afectiva; ouvir contos, tradicionais ou toponímicos, porque não, enquanto ouvem desenvolvem-se fonologicamente e aumentam a cultura em relação ao seu país e localidades; actividades mais estruturadas, como a exploração de um conto, irem tomando consciência da correcção de uma resposta qualquer em termos sintácticos e muitas outras práticas verbais. Os jogos de linguagem, sejam rimas infantis, trava-línguas ou outros pertinentes, são uma ferramenta muito boa, tendo em conta o seu carácter lúdico e as funções que desenvolvem.
    O professor deve proporcionar o contacto directo com e a manipulação de objectos com material linguístico escrito, sejam livros, jornais ou revistas, pois é fundamental na medida em que permite à criança a associação dos sons da língua à sua forma gráfica e a constatação de princípios morfossintácticos, associados ao funcionamento da língua. A competência metalinguística começa a formar-se: as crianças começam a reflectir sobre a linguagem e sobre as suas propriedades em termos organizativos e das potencialidades desta ao nível da manipulação. A consciência metalinguística é mais do que a competência comunicativa (muito necessária, evidentemente). Implica a habilidade de tomada de consciência das características formais da linguagem, nos níveis de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas, ou seja, que a frase pode ser segmentada em palavras, as palavras em sílabas e as sílabas em fonemas e a consciência de que essas mesmas unidades se repetem em diferentes palavras faladas e escritas.
    O professor tem a seu cargo um corpo de alunos que são seres individuais com características diferentes, que aprendem de maneiras diferentes. Cabe-lhe a ele escolher as actividades que mais se adeqúem ao desenvolvimento das competências atrás referidas, atitude que deveria ser já uma prática comum, tendo em conta que o ensino é uma carreira, um projecto de vida, e que estas práticas não são, aliás, mais do que a obrigação docente.

A questão da literacia

    O conceito de literacia e os seus indicadores ainda não estão totalmente definidos. Em leituras diversas que se façam, repara-se que uns referem a antítese letrado/ iletrado, outros confrontam-se entre a afirmação de níveis de literacia e de tipos diversos de literacia. Considero literacia como sendo a capacidade, na vida quotidiana, de aplicar as competências básicas de leitura, escrita e cálculo de modo funcional.
    A iliteracia está associada à incapacidade de aplicar os conhecimentos escolares no mercado de trabalho, logo será geradora de desemprego e de desigualdade social, o que tenho constatado muitas vezes, quando confronto, em alguns ecossistemas familiares de alunos meus (nem sempre, salvaguardo), as habilitações literárias com as circunstâncias culturais e sócio-económicas.
    É a falta de aplicação das aprendizagens escolares no dia a dia que origina o analfabetismo funcional. Daí a importância de construir com os alunos uma aprendizagem sólida da leitura e da escrita, que se perpetue essencialmente através de hábitos de leitura permanentes: a leitura, além de todos os prazeres a que lhe associo, traz enriquecimento cultural, intelectual e dota as pessoas de mecanismos de funcionalidade na sociedade, seja a nível instrumental, seja argumentativo, além de um maior poder de compreensão do mundo, mesmo para o entendimento de questões como a defesa dos seus direitos, que muitas vezes são atropelados por uma desnecessária falta de informação.
    O nível de literacia que temos num país não é o nível de literacia que teremos que ter.

 

(revisto em 04/04/06)

© Werther Damien Sevahc

 

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