FORAIS DE GAlA
 * * *

Foral concedido pelo rei D. Afonso III
* * *

A velha CALE era conhecida e designada na corte, então em Coimbra, por velho burgo do Porto.
A redor do seu castelo abriram-se caminhos, ruelas, vielas, becos e carreiros, todos íngremes e estreitos, dos quais ainda existem bastantes, à semelhança dos que também vemos em volta do cerro de Penaventosa da vizinha cidade do Porto.
Neste labirinto de meios de comunicação entre os moradores de CALE, estabeleceu-se, quase à margem do rio Douro, um pequeno lugar ao qual os seus primitivos habitantes deram o nome de Gaia (58).
Aqui, então, foi estabelecido um cais, que era o porto e, por isso, o ponto principal de convergência dos passageiros, porquanto, na margem fronteira, havia outro cais (59).
E, por isso, sendo bastante conhecida, pelo seu antigo porto e cais, a povoação ribeirinha de Gaia, o rei D. Afonso III preferiu-a para a criação da sua Mea Vila de Gaia.

* * *

Deste modo, destacamos:
«Dou-vos e concedo-vos, pelos seus limites, todo o meu regalengo de Gaia, para vossa herdade, e para sempre, conforme está limitado pelos termos de Coimbrões, do Candal e Alumiara (60) até ao rio Douro, pelo casal que foi sé portugalense, que é em Gaia, (61) e pelo de São Martinho, se o poder haver.

«Dou-vos e concedo-vos a vós, povos que morais no meu burgo velho do Porto, todas as minhas herdades que tínheis no mesmo burgo.

«... Mando que os pescadores da minha Vila de Gaia pesquem nas minhas adargas da Furada (62) e do Arino (63).
«E, se por acaso, o que Deus não permita, algum dos meus sucessores ou outrem quiser ir contra este feito, não lhe seja lícito e seja maldito.
«E com Judas, traidor, seja condenado ao Inferno e incorra na maldição de Deus Omnipotente, da Virgem Maria, minha e de todos os meus progenitores.»

Verificamos que o Rei D. Afonso 111 foi bem generoso para os moradores das terras de Gaia; e, para firmar bem o seu propósito, fez inserir, no mesmo documento, as penas mais graves de maldição contra quem alterasse a sua vontade.

Todavia, 129 anos depois, D. João, Mestre de Avis, mesmo antes de ser aclamado rei, por suas cartas de 12 de Abril e de 3 de Maio de 1384, sujeitou a vila de Gaia à vizinha cidade do Porto.
No ano seguinte, como o alcaide do Castelo de Gaia, Rodrigo Alies de Sã, apoiasse os Gaienses nos protestos que manifestavam contra a decisão do filho bastardo do Rei D. Pedro I e de D. Teresa Lourenço, os portugueses, a coberto das autoridades e do prelado, vieram, em grande multidão, atacar o Castelo em que, por certo, estava o mesmo alcaide.
E, como o não encontrassem, por ele ter fugido, arremeteram, com tal fúria, contra tão secular monumento, que o destruíram a ponto de não mais servir para residência de tão alto funcionário régio.
Esta cena vandalismo causou grande desgosto em toda a população Gaienses.

De facto, os habitantes de Gaia sustentaram contra os vizinhos portuenses longas e custosas demandas de protesto contra o determinado pelo Mestre de Avis, e que só terminaram por sentença homologada pelo Rei D. Manuel I, datada de 1 de Fevereiro do ano de 1501, que, afinal, condenou os filhos de Gaia a ver a sua terra constituída em aldeia ou arrabalde da fronteira cidade, conforme os conclusos da mencionada sentença:
«... os moradores da dita aldeia de Gaia viessem responder à cidade do Porto como aldeões.
E, daqui em diante, a dita aldeia fosse havida por termo da cidade.
E condenamos os ditos réus – os Gaienses – que deixem o selo que têm e não mais usem dele e o entreguem à dita cidade (64).

Esta sujeição, porém, que durou 450 anos, só terminou em 28 de Maio de 1834, data gloriosa em que os filhos de Gaia tornaram a ver a sua terra constituída em município do país, e, portanto, livre da suserania da vizinha cidade (65).
 

Foral concedido pelo Rei D. Dinis
* * *

O rei D. Dinis, em 13 de Agosto de 1288, deu novo foral aos habitantes de Gaia, em que preceitua:
«Damos e concedemos a vós, povos daquele nosso lugar, que costumavam chamar burgo velho, ao qual impomos de novo o nome de Vila Nova de Rei, por foro tal qual é.»
Esta honrosa designação, dada às terras da antiquíssima CALE, provam quanto o fundador da Universidade de Coimbra considerava tão evidente povoação, distinguindo-a com o nome de Vila Nova de Rei, bem por certo reconhecer que fora dela que promanou o nome de Portugal.
Todavia, este honroso nome só vigorou, ao que parece, enquanto viveu tão ilustre monarca - o primeiro que determinou a redacção dos documentos públicos na língua usada e corrente, em vez da latina, até, então, usada - apesar do povo do seu tempo afirmar:
O rei D. Dinis (66) Fez tudo o que quis.

Foral concedido pelo Rei D. Manuel I
* * *

Este monarca, em cujas veias já circulava sangue do primeiro duque de Bragança, em 20 de Janeiro de 1518, deu um novo foral a Vila Nova, e Gaia.
Este documento, que é um perfeito regulamento para a cobrança de impostos e dos foros e pensões devidos à coroa, já abrange a maior parte das freguesias que constituem o actual concelho de Gaia.

Dos três forais concedidos à Vila de Gaia, há a destacar-se os dois primeiros, concedidos pelos reis D. Afonso III e D. Dinis.

No primeiro há o grande facto da vila de Gaia ser elevada a município, com juízes e autoridades próprias, com o fim de bem cumprir-se tudo quanto consignava a carta foral, para a nova Mea Vila de Gaia e para as terras denominadas velho burgo do Porto.

No concedido pelo rei D. Dinis há, também, o honroso facto do termo a que costumavam chamar burgo velho – a antiga CALE – passar a denominar-se Vila Nova de Rei.

Aos signatários destes dois documentos, era justo que o município de Gaia lhes tributasse um preito de muita gratidão.
E, por isso, constituiria uma boa resolução municipal se no salão nobre dos Paços do Concelho fosse colocado um busto, em bronze, do fundador da Mea Vila de Gaia:
O rei D. Afonso III.
Também, não deixaria de ser louvado pelos munícipes a colocação do busto do Rei D. Dinis num lugar de honra dos jardins Gaienses, como dignificado testemunho de reconhecimento ao monarca, que distinguiu a antiquíssima terra de CALE, com o nobilitante nome de Vila Nova de Rei.
----------------------------------------------------------------------------- (58) Em Portugal, que saibamos, há povoações com o nome de Gaia, nas freguesias seguintes:
Triana, do concelho de Alenquer, Santa Cruz do Douro, idem, de Baião, Santiago, idem, de Belmonte, Arões e Goulães, idem, de Fale, Penso e São Paio, idem, de Melgaço, Freamunde, idem, de Paços de Ferreira, Cete, idem, de Paredes, São Simão de Titém, idem, de Pombal, São João Baptista, idem, de Sernancelhe.

(59) Nesta praia, mandou o rei D. Manuel I edificar uma ponte, a que o povo deu os nomes de Porta Nova e, mais tarde, de Porta Nobre.
Este monumento foi demolido em 1872 por motivo da edificação da Alfândega do Porto.

(60) Deriva da palavra árabe Almenara, presentemente é uma povoação da freguesia de Canidelo.

(61) Et casale quod fuit sedis Portugalens's quod in Gaya.

(62) Foi a primeira designação deste lugar.
A vogal a começou a ser-lhe anteposta por quem se dirigia a esta povoação.
Onde vais? Vou à Furada.
E, por isso, começou a ser designada pela actual denominação: Afurada.

(63) É o actual Areinho constituído pelo Cabedelo.

(64) Liv. B do Arquivo da Câmara do. Porto Fls. 192.

(65) Na história, o rei D. João I (antes Mestre de Avis) tem o apelido de Boa Memória.
Julgamos, porém, que para todos os Gaienses foi um soberano de má memória, porquanto desrespeitou o determinado pelos reis D. Afonso III e D. Dinis.

(66) Escreveu poesias interessantes, que chegaram até nós.
Foi no seu reinado que, em rigor, nasceu a língua portuguesa.

11 pag 13

Right
click
open
menu