A FORTALEZA DA SERRA DO PILAR
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Os monges do convento da serra do Pilar, ao saberem da chegada das tropas liberais, chefiadas por D. Pedro, filho primogénito do Rei D. João VI, abandonaram, por completo, todo o vasto convento ao findar do dia 9 de Julho de 1832.
Em Agosto, seguinte, foi o convento ocupado por algumas tropas liberais e em 8 de Setembro foi nomeado comandante deste reduto e o, então, coronel José António da Silva Torres.
Nesse mesmo dia, após a refrega havida no alto da Bandeira entre as tropas liberais e as de D. Miguel, sofreu este baluarte a primeira investida das forças inimigas, mas sem resultado.
Com efeito, o comandante das tropas liberais, o, então, coronel Bernardo de Sá Nogueira, no auge da luta, foi ferido por uma bala no braço direito, pelo que teve de entregar o comando ao major Bravo, o qual, embora repelindo sempre o inimigo, teve que refugiar-se no convento da serra.
E, então, como as tropas de D. Miguel se aproximassem do convento, logo um numeroso grupo de Gaienses, comandados pelo major Fontoura, acudiu aos defensores do convento e, após rude e cruenta luta, os miguelistas tiveram que retirar ao fim de sete horas de combate.
No dia seguinte, 9 de Setembro, nova investida sofreu o reduto da do Pilar, que foi repetida, com denodo, no dia imediato.
Em 29 do mesmo mês, três colunas miguelistas atacam, fortemente, o baluarte Gaiense na posse dos liberais, mas tiveram que retirar ao fim de seis horas de vigoroso combate.
No dia 13 de Outubro, seguinte, pelas seis horas da manhã, as tropas de D. Miguel iniciaram um activo e ininterrupto fogo de artilharia, dirigido de cinco baterias, contra o edifício do convento da serra, que se prolongou durante trinta e três horas.
Ao fim destes bombardeamentos, as tropas de D. Miguel, pelas três horas da tarde do dia memorável de 14 de Outubro de 1832, divididas em três colunas, investem contra as trincheiras liberais, uma pela Eira, outra pelo centro outra serra mais da Cerca e a terceira pelo caminho da Calçada.
Os defensores do baluarte da serra, em cujo número havia muitos Gaienses, repeliram, vigorosamente, os atacantes, que, por seis vezes, os renovaram com reservas, durante três horas de rudíssimos combates corpo a corpo.
Ao fim, porém, deste tempo, as tropas de D. Miguel começaram a abandonar o campo, já coberto de seiscentos mortos e feridos.
Esta vitória liberal, na verdade, foi a que mais contribuiu para o triunfo de D. Pedro, o qual, ao saber do heroísmo praticado pelos defensores da Serra do Pilar, deu-lhes o honroso epíteto de Polacos, igualando-os, em heroicidade, aos filhos da Polónia, quando combateram contra as tropas russas, prussianas e austríacas na ocasião em que invadiram a sua pátria.
No dia 21 do mesmo mês de Outubro, o Duque de Bragança, D. Pedro, mandou ir ao Paço o velho e denodado comandante da Serra do Pilar, o brigadeiro José António da Silva. Torres, para lhe agradecer, pessoalmente, a vitória que alcançara na defesa do baluarte que lhe fora confiado.
Torres, porém, fez-se acompanhar do soldado-cadete, Álvaro da Conceição, que, pelos seus actos de heroísmo, era apelidado de «Leão da Serra».
D. Pedro, rodeado do seu estado-maior, aguardou a entrada de Torres, visivelmente satisfeito e sorridente, dirigiu-se ao velho militar, a quem disse, depois de lhe apertar a mão:
- Bravo, meu brigadeiro! O que exiges de mim em troca da Serra do Pilar, que me destes?
- Que Vossa Majestade Imperial se digne receber o meu «Leão».
- O teu «Leão»? - Interrogou D. Pedro, entre risonho.
-É Álvaro da Conceição, voluntário académico, que me acompanhou.
- Vai chamá-lo, bom amigo.
Álvaro da Conceição é conduzido por Torres à presença de D. Pedro, que, ao vê-lo, disse:
- Conheço-o e prezo-o, agradeço-te o proporcionares-me o ensejo para glorificar a sua bravura.
E, D. Pedro, aproximando-se de Álvaro, colocou-lhe a Torre e Espada, no peito, por suas próprias mãos.
Álvaro da Conceição, inclinando-se, beijou a mão de D. Pedro, que, risonho, disse-lhe:
- Até à vista, meu «Leão da Serra».
Desejarei que, muitas vezes, tenha notícias tuas.
Depois, dirigindo-se a Torres:
- Estás satisfeito com a recompensa que dei ao teu «Leão»? Sim, meu Senhor, volveu Torres.
- Eu disse D. Pedro não tenho palavras com que possa sublimar a tua vitória do dia 14, com os teus 700 bravos, alcançada sobre alguns milhares de inimigos.
E afectuoso e alegre, abraçou demoradamente o velho Torres, que, satisfeitíssimo, recolheu à Serra do Pilar acompanhado, apenas, pelo académico Álvaro da Conceição, cujo peito ostentava a medalha Torre e Espada.
Na batalha de 14 de Outubro estiveram pelejando, entre outros, Simão José da Luz Soriano, autor da História do Cerco do Porto e de outras obras; José Estêvão Coelho de Magalhães, que foi um dos mais insignes oradores, e o padre Manuel Bento Rodrigues, natural da freguesia de Santa Marinha de Gaia, que, mais tarde, foi bispo-conde de Coimbra desde 15 de Março de 1852 a 19 de Março de 1858, e ocupou as funções de cardeal-patriarca desde 23 de Abril de 1858 a 26 de Setembro de 1869.
Foi o que ministrou ao Rei D. Pedro V, em 10 de Novembro de 1861, os últimos socorros da religião, que celebrou o casamento do Rei D. Luís I com D. Maria Pia e quem baptizou o Rei D.Carlos I e o infante D. Afonso, duque do Porto.
D. Manuel Bento Rodrigues era formado em Teologia, pela Universidade de Coimbra, na qual, mais tarde, foi lente da mesma Faculdade. Foi, também, arcebispo de Mitilene.
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Em 24 de Outubro de 1832, novo ataque é feito, pelas tropas de D. Miguel, contra a Serra do Pilar, a horas altas da noite; mas os denodados Polacos da Serra repeliram os assaltantes, causando-lhes grandes perdas, nesta oitava investida.
Outro forte ataque foi feito à Serra do Pilar, no dia 4 de Março de 1833, depois dum terrível fogo de artilharia desde a madrugada deste dia até às 8 horas. Então, as tropas de D. Miguel, divididas em duas colunas, investiram, uma pelo sítio de Quebrantões e a outra pela Fervença. Uma hora depois os assaltantes retiraram-se ao sentirem as perdas havidas nas suas fileiras.
Em 5 de Julho de 1833, novo ataque o décimo foi realizado contra o baluarte da Serra do Pilar, ponto estratégico que os generais de D. Miguel procuravam conquistar para uma melhor acção na eficiência dos seus planos; porém, como das vezes anteriores, os defensores do baluarte liberal derrotaram as tropas inimigas que, enfim, em 18 de Agosto seguinte, levantaram o cerco do Porto, derrotadas pelo glorioso general Saldanha, neto do famoso Marquês de Pombal.
Em Gaia, as tropas de D. Miguel, dois dias antes, em 16, lançaram o fogo aos armazéns da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, fundada em 1765, sob o beneplácito do Marquês de Pombal, que destruiu 9.843 pipas de vinhos preciosos, além de outras 1.000 pipas pertencentes ao negociante António Joaquim da Costa Carvalho.
A torrente de vinho, em labaredas, penetrou no rio Douro em tal quantidade que chegou a tingir de vermelho uma grande área das suas águas!
O incêndio ainda destruiria mais armazéns de vinhos, se não fosse atacado por marinheiros ingleses que, abnegadamente, lutaram um dia inteiro para extingui-lo por completo.
Este acto de vandalismo criou muitos novos partidários para as tropas liberais que, antes, eram afeiçoados ao governo de D. Miguel.
Finda a luta do cerco do Porto e, por fim, alcançado pelos constitucionais o triunfo da sua causa, o reduto da Serra do Pilar foi elevado a fortaleza, consoante se vê deste documento inédito:
«Tendo sido a Serra do Pilar um baluarte inexpugnável, onde os meus fiéis súbditos deram as maiores provas de coragem militar, e devoção cívica, frustrando sempre os repetidos e veementes ataques dos desvairados servidores da usurpação, que por tantas vezes pagaram a ousadia de medir-se com os bravos defensores da liberdade legal, e querendo eu que, naquele lugar, fique existindo um monumento dos prodígios de valor ali praticados:
Hei por bem elevar a dita serra do Pilar à categoria de fortaleza, devendo ser convertidas em fortificação permanente as obras que, actualmente, são provisórias.
O conselheiro de Estado, ministro e secretário dos Negócios da Guerra o tenham assim entendido e façam executar.
Paço de Queluz, 23 de Setembro de 1834.
Agostinho José Freire.»
Mais tarde, depois deste diploma honradíssimo, foi passado outro, também inédito, em que a fortaleza da Serra do Pilar é elevada a Praça de Guerra de primeira classe.
«Havendo em memória os feitos singulares, que em prol da liberdade da Pátria e dos meus direitos ao trono obrados na defesa da cidade heróica, fosse convertida em fortaleza permanente o ponto entrincheirado: da Serra do Pilar, e não se achando ainda determinada a categoria a que deve ser considerada a sobredita fortaleza:
Hei por bem, em continuação do apreço que me merecem as tantas vezes rotos, mas sempre impenetráveis parapeitos daquele reduto, que a fortaleza da serra do Pilar seja considerada como Praça de primeira classe, cujo estado-maior terá acesso, e será composto de governador até oficial-general, major e ajudante.
Paço das Necessidades, 20 de Fevereiro de 1835. Rainha Duque da Terceira.
Verifica-se, pois, que o esforço dado pelos Gaienses, na defesa: do reduto da Serra do Pilar, foi devidamente reconhecido pelo notável chefe militar, que foi o duque da Terceira, tanto mais que o próprio D. Pedro também manifestou, publicamente, vontade de ser sepultado na igreja do convento da serra do Pilar.
D. Pedro, em 27 de Julho de 1834, veio, com sua filha, a Rainha D. Maria lI, à cidade do Porto, acompanhado de sua esposa e dos bravos militares duque da Terceira e Marquês de Saldanha.
E, logo no dia seguinte, com a sua filha e numerosos oficiais compareceu na Serra do Pilar, onde o heróico general Torres fez uma breve resenha de actos de heroísmo praticados contra as tropas de D. Miguel que, por dez vezes, tentaram apoderar-se do reduto que lhe fora confiado.
O general Torres, por fim, fez entrega à jovem rainha de um mapa da fortificação da Serra do Pilar.
Tanto D. Pedro como os marechais Terceira e Saldanha felicitaram, vivamente, o general Torres pela sua tenaz e denodada defesa de um reduto que, na verdade, se olhar-se ao número de tropas que o investiram, pode considerar-se, em sumo grau, o heroísmo praticado pelos seus defensores durante todos os combates que sustentaram contra tantos milhares de soldados inimigos, principalmente no memorável dia 14 de Outubro de 1832.
Verifica-se, pois, à face de documentos oficiais, que a nova fortaleza da Serra do Pilar teve, como seu primeiro comandante, desde 8 de Setembro de 1832 a 14 de Novembro de 1833, o heróico general José António da Silva Torres Ponce de Leão.
Seguiu-se, depois, a nomeação do major de artilharia João Baptista Lopes Veloso, que foi comandante deste reduto desde 24 de Outubro de 1834 a 19 de Dezembro de 1840.
Novamente, em 20 de Dezembro de 1840, é nomeado comandante da fortaleza da Serra do Pilar o bravo general Torres, que exerceu este cargo até ao dia em que faleceu 4 de Setembro de 1848.
O convento, que ficou arruinado, não permitia o alojamento de uma unidade militar; e, por isso, somente uma pequena guarnição ali permaneceu, sujeita ao Porto, até ao momento em que, no dia 17 de Maio de 1848, tomou posse de comandante da fortaleza da Serra do Pilar, o tenente-coronel Francisco de Sousa Pinto Machado.
Em 6 de Dezembro de 1888 é, enfim, instalada nesta fortaleza uma brigada de artilharia, da qual foram comandantes, até 22 de Setembro de 1897, os majores Francisco José Azevedo, José Guedes Brandão, Sebastião Chaves Aguiar, Abílio Augusto Silva Azevedo, Zeferino Norberto Casimiro Almeida Ferreira e o tenente-coronel Albino Alberto Ferreira.
A esta brigada sucedeu o Regimento de Artilharia 6, ali estabelecida, sob o comando do tenente-coronel Albino Alberto Ferreira, no dia 23 de Setembro de 1897, a que se seguiram os capitães José de Almeida Cardoso e António Bernardo Ferreira até 31 de Janeiro de 1902.
Em 1 de Fevereiro de 1902 é instalado, nesta fortaleza, o Regimento de Artilharia 5, que teve como comandantes os capitães António Bernardo Ferreira, Augusto Rocha Ferreira Ramos, João Pinheiro de Aragão, Vítor Manuel Salazar Leitão e Manuel Maria Teixeira Cardoso; majores José Beires, Luís Cândido Albuquerque do Amaral Cardoso e António Correia Portocarrero Teixeira de Vasconcelos os coronéis Joaquim Lobo de Ávila Graça, Amâncio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, João Alves Gramacho. Francisco Sales Ramos da Costa, João Gomes do Espírito Santo, Eduardo Augusto, José Tristão Pais de Figueiredo, Joaquim Leite Faria Guimarães Júnior, Alberto Gomes Peixoto Cunha, Raul Ribeiro Andrade Piçarra, Luís Monteiro Nunes da Ponte e Augusto Gonçalves Pereira de Barros.
Pelo Decreto n.º 29957, de 6 de Outubro de 1939, foi estabelecido, nesta fortaleza, o Regimento de Artilharia Pesada 2, da qual têm sido comandantes: coronéis Augusto Gonçalves Pereira de Barros, Carlos David Caldeira, Luís Nobre de Melo, José Pina Cabral, Luís Augusto Soares de Sousa Sanches e, desde 20 de Outubro de 1947 a 21 de Fevereiro de 1951, Bernardo Gabriel Cardoso Júnior que, no exercício do seu cargo, muito se distinguiu na realização de notáveis melhoramentos de grande interesse para esta importante unidade militar: bibliotecas para oficiais e sargentos, um museu privativo de relíquias militares e um magnífico salão nobre, onde se vê a estátua, em gesso, modelada por Soares dos Reis, de D. Afonso Henriques, um busto do Infante D. Henrique e, em lugar de honra, todos os retratos dos Oficiais que têm comandado, desde 1832 até ao momento, a fortaleza da Serra do Pilar, de Gaia.
Recordaremos que, no convento da Serra do Pilar, esteve algum tempo homiziado D. António, Prior do Crato, donde seguiu para o norte do país à aproximação das tropas do duque de Alba da Vila de Gaia.
Também o general inglês Welesley, duque de Willington, comandante supremo das tropas anglo-Iusas, esteve neste convento a dirigir o ataque às tropas do general francês Soult, que ocupavam a cidade do Porto.
Enfim, presentemente, quase toldas as dependências do antigo convento da Serra do Pilar foram restauradas, desaparecendo as ruínas que, ainda há pouco mais de um quarto de século, estavam à vista de todos.
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